A cidade de Mauá iniciou em agosto sistema de mapeamento dos casos de violência. Com os dados sobre ocorrências na mão, o objetivo é criar políticas de prevenção e fortalecer a rede de atendimento. Só no ano passado, foram notificados 786 casos de violência, número bastante superior aos casos de meningite (103), tuberculose (111), hepatites virais (86) e intoxicação (287), o que mostra que o problema é questão de Saúde pública. Os dados foram divulgados ontem, no 2º Seminário de Prevenção às Violências.
A coordenadora do Núcleo de Prevenção às Violências em Prol da Saúde, Walkíria Zachêu, explicou que o sistema inclui ficha a ser preenchida pela rede, que atende as vítimas de violência, e inclui a polícia, as delegacias especializadas (do Idoso e da Mulher), o Conselho Tutelar e as unidades de Saúde. A ficha reúne questões essenciais para o mapeamento: idade, sexo, raça, endereço da ocorrência, tipo de violência e quem foi o agressor. “Com essas informações, poderemos traçar o perfil da vítima e do agressor.”
Segundo a administração, não é possível determinar quanto custa a violência para o sistema de Saúde, já que os casos podem envolver desde agressão a assassinato. Mas a ficha ataca o principal gargalo da rede de combate: a falta de notificação e informações. De 2008 a 2010, o número de notificações cresceu, passando de 275 em 2008 para 786 em 2010. O problema é que, neste ano, houve queda e, até setembro, foram 280 notificações, muitas delas sem informações como local da agressão e quem foi o agressor.
Segundo a coordenadora da Vigilância Epidemiológica de Mauá, Cláudia Helena Walendy, um dos fatores que levaram a essa queda foi que a Delegacia da Mulher deixou de encaminhar os casos mais graves para o Hospital Nardini. “Fragilizadas pela agressão, as mulheres são enviadas para o IML de Santo André para fazer exame de corpo delito em meio aos mortos. Não é assim que se deve tratar gente viva.”
Já Walkíria acredita que o trabalho de prevenção passa pelas mãos de diversos agentes, desde as áreas de Saúde e Educação às polícias Civil e Militar, bem como à promoção de uma cultura de paz. “É por meio do diálogo que alcançamos resultados.”
PERFIL
Mesmo com o baixo número de casos notificados, a Vigilância Epidemiológica conseguiu traçar um perfil da violência em Mauá. Os dados apontam que a maioria das notificações é de agressão a mulheres, com idade entre 20 e 34 anos. Do total, 80% são agressões físicas e 20% sexuais. Os principais agressores são os maridos e mais de 80% acontecem dentro de casa.
Qualquer pessoa pode denunciar casos de violência pelo telefone 181, número nacional, e pelo 153, da GCM.
Mãe perde dois filhos em menos de seis meses
A assistente de apoio operacional Alvina Aparecida Gussão, 51 anos, foi vítima da violência em Mauá. A moradora do Jardim Canadá perdeu o filho Wellington em dezembro de 2009, então com 20 anos, em acidente de trânsito quando voltava do trabalho. Em maio de 2010, ainda de luto pela morte do primeiro filho, perdeu Warneison, 22, para as drogas. “Ele foi assassinado por causa de dívida. Não consegui apoio do poder público para tirar meu filho do vício.”
Alvina afirmou que tentou internar o rapaz para fazer a desintoxicação, mas não tinha condições de pagar pela clínica e não encontrou nenhuma gratuita. “Paguei com a morte do meu filho.”
Ela acredita que só conseguiu sobreviver à dor porque ficou com a guarda do neto de 10 anos, fruto do casamento de Warneison com uma moça também usuária de drogas. “Uso sempre o exemplo do pai dele para explicar por que ele não deve cair no vício. Isso destrói a pessoa e a família.”
O envolvimento com drogas é visto pela coordenadora do Núcleo de Prevenção às Violências em Prol da Saúde Walkíria Zachêu como uma das principais causas de morte de jovens na cidade, principalmente do sexo masculino. “É difícil combater a droga, pois há inúmeros fatores envolvidos. É uma questão de Segurança pública, Saúde, Educação e Habitação.”
Para ela, a melhor forma de tratamento é a prevenção. “Reconheço que faltam opções de internação mais prolongadas na rede pública, mas muitas vezes não é isso que resolve. É preciso integrar o usuário na sociedade, e não segregá-lo. Quando um ajuda o outro por meio do diálogo, somos capazes de transformar a realidade.”
Fonte: Diário do Grande ABC