Aos 91 anos, o aposentado José Barbosa de Souza terá de se mudar. Há 18 ele vive em uma casa modesta de três cômodos no morro do Macuco, no Jardim Zaíra, em guia Mauá. Após os deslizamentos que vitimaram quatro pessoas no início do ano, Barbosa, como é chamado pelos amigos e conhecidos, recebeu a notícia de que terá de abandonar o lar que ergueu com as próprias mãos.
Somente agora, nove meses depois da tragédia, é que o aposentado conseguiu encontrar um imóvel no valor do bolsa-aluguel, de R$ 350, pagas pela Prefeitura. Há 20 anos Barbosa comprou o terreno no Macuco por R$ 18 mil. “Disseram que era um lote, tudo regularizado. Eu tinha o documento, mas a Prefeitura levou.”
Barbosa nasceu em 1920 em Manhuaçu, cidadezinha mineira que hoje tem pouco mais de 79 mil habitantes. Em 1950, cansado de “tanta pobreza”, resolveu vir para a Capital, com sonhos de conseguir melhorar de vida. Desembarcou direto em Mauá, no Jardim Itapark, onde viveu até os anos 1990, “fazendo de tudo um pouco, minha filha.”
Mas foi mesmo no Macuco que ele se encontrou. “Aqui comecei a frequentar a Igreja e parei de beber.” A religião, aliás, mora ao lado de Barbosa: o vizinho é o pastor Paulo Ferreira dos Santos, 62, da Igreja Pentecostal Jesus Cristo, o Redentor. “Acho absurdo tirarem o Barbosa daqui agora. Ele está cansado, coitado.”
Barbosa não escuta direito e enxerga mal. Vive com a esposa Manuela Lucidia de Souza, 92 anos, e uma filha. Foram eles que embalaram sozinhos todas as caixas com os pertences da família, que aguarda o caminhão da Prefeitura para fazer a mudança. “Vou para uma chácara em Ribeirão Pires. É longe de tudo, não sei como vai ser a vida por lá.” Foi o único lugar que Barbosa conseguiu encontrar por R$ 350, valor pago pelo bolsa-aluguel da Prefeitura. “Só queria ficar sossegado no meu canto, mas, fazer o que, né? A vida da gente tem dessas coisas.”
REMOÇÕES
As paredes erguidas pelas mãos de seu Barbosa serão demolidas tão logo a família deixar o local. A Prefeitura informou que, desde o início do ano, das mais de 1.300 moradias interditadas no Jardim Zaíra, foram demolidas 150. No Macuco, vizinhos estimam que pelo menos 30 delas foram abaixo.
O que se vê no lugar delas é o entulho, que já começa a ser tomado pelo mato, e algumas vigas de sustentação que sobraram. Moradores utilizam a estrutura para fazer cobertura de telhas e transformar as antigas casas em garagem. “É um jeito de tirar da rua, que é estreita”, disse o eletricista Lenoar Xavier da Silva, 46.
Silva também garantiu que a Prefeitura continua fazendo remoções no local. “Eles vêm e falam para pessoa procurar aluguel. Fizeram isso com algumas casas em julho.”
Segundo a Prefeitura, a Defesa Civil e a Guarda Civil Municipal realizam rondas no local, a fim de remover moradores de áreas de risco e evitar ocupações. Projeto para resolver o problema da ocupação irregular não há. Quem resume a situação dos moradores do Macuco e de outras áreas de risco da cidade é o Pastor Paulo, de forma quase profética: “A expectativa dos moradores de Mauá sobre moradia é muito pequena. Não temos esperança de ter algo tão logo. Essa é a nossa realidade”.
Chuva fez seis vítimas no município no início do ano
Mauá foi a mais castigada pelas chuvas de verão do início deste ano no Grande ABC. Foram cinco vítimas de deslizamentos de terra e uma de afogamento.
A primeira morte ocorreu no dia 4 de janeiro, quando o garoto Tauã Trindade dos Santos Lima, 11, e sua mãe, Deise Trindade dos Santos, 34, morreram soterrados por um deslizamento no morro do Macuco, no Jardim Zaíra.
No dia 10, Jairo Garcia, 42, foi encoberto por escombros após desbarrancamento no Jardim Rosina. No mesmo dia, a tragédia voltou ao Macuco e vitimou o jovem Paulo Santos, 16, e seu vizinho, Antonio Carlos Marosticon, 56, que morreram soterrados dentro de casa.
No dia 18, a aposentada Antonia Avelaneda Grande, 64, morreu afogada na própria residência, que foi invadida pelas águas, na Rua Francisco D’Aoglio, também no Jardim Zaíra.
Para prevenir novas ocorrências, a Defesa Civil está criando mais dois Nudecs (Núcleos de Defesa Civil), nos jardins Oratório e Zaíra, como forma de realizar um trabalho próximo à população em risco iminente.
Fonte: Diário do Grande ABC